quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Reflexão para Janeiro de 2010:COPENHAGUE... AS MESMAS PULGAS, CARRAPATOS E PIOLHOS.: Lélio Costa e Silva

Esta história foi escrita em 1995, três anos após a realização da Rio-92, uma conferência sobre o meio ambiente, da qual nasceram tratados, documentos e compromissos importantes como a Agenda 21. Infelizmente, o recente exemplo de Copenhague demonstra que a situação não mudou...

ATITUDES ECOLÓGICAS
Lélio Costa e Silva

Eram 169 pulgas, 38 carrapatos e 75 piolhos. Todos moravam num cão de rua. Naquele “planeta” os carrapatos preferiam o interior das orelhas, dedos, cernelha e axilas. As pulgas viviam no dorso, lombo e abdômen do cãozinho. Os piolhos no restante.
O cãozinho era uma coceira só. Sugavam-lhe o sangue injetando uma saliva irritante. Dia e noite, domingos e feriados,
Um dia alguém percebeu que o alimento estava caindo de qualidade – um sangue ralo e cada vez mais cor-de-rosa. Seria necessária uma assembléia para que todos os moradores se encontrassem. Na semana seguinte, teve início a Primeira Conferência Planetária do Meio Ambiente. O local escolhido foi o dorso do animal. Compareceram 292 pulgas, 94 carrapatos e 101 piolhos.
Logo uma pulga fez uso da palavra:
- Senhoras e senhores: tenho observado uma drástica diminuição dos recursos naturais. O planeta está morrendo. Ele está anêmico!
- As culpadas são vocês mesmas, suas pulgas apressadas... atacou uma fêmea de carrapato inchada de sangue.
- Que nada, nós até sabemos reciclar, disse uma das pulgas.
- Não entendi, disse um piolho.
- Nossas larvas, futuras pulgas, são alimentadas com os nossos próprios dejetos... isto é ou não reciclagem?
- Acho que tudo é uma questão política, completou outro carrapato.
E a reunião prosseguia acalorada. De repente, o “planeta” começou a balançar...
- Efeito estufa? Aumento da temperatura global? Queimadas? Terremotos? O fim do mundo?!
Na verdade era o cãozinho que se coçava desesperadamente num solitário jequitibá...
Ouvindo toda a discussão a árvore tentou ajudar:
- Calma gente, o mundo ainda não está acabando, mas se vocês não tomarem certas “atitudes ecológicas” isso irá acontecer...
- “Atitudes ecológicas”, como assim? Perguntaram todos ao mesmo tempo.
- Façam silêncio que logo lhes explico, pediu a árvore solitária.
Todos ficaram quietos para escutar.
-Antigamente essa praça era uma linda floresta. Inúmeras árvores de variadas espécies. Aqui viviam jequitibás, braúnas, sapucaias, cedros, ipês, jacarandás, vinháticos e muitas outras árvores. Produzíamos flores, frutos, abrigo, sombra e madeira. As folhas mortas e os restos e os restos dos animais apodreciam rapidamente com a ação do calor e da umidade freqüente. Assim, todos os nutrientes eram devolvidos à terra, alimentando-nos e possibilitando o nascimento de novas plantas. Tudo aqui era biodiversidade. Existiam orquídeas, bromélias, cipós e toda a vida animal.
E continuou:
- As copas das árvores amenizavam a queda da água da chuva que suavemente deslizava entre os galhos. Portanto, o solo não secava, nem rachava. Não havia erosão. De vez em quando, cortavam algumas árvores. Nem precisavam plantar de novo. Nós mesmas fazíamos o replantio, com a ajuda dos morcegos frugívoros, cutias, gralhas, borboletas, beija-flores e até do vento. Todos tomavam a “atitude ecológica” de participar, espalhando as sementes, enterrando-as ou polinizando as flores. Assim a floresta se sustentava.
- Mas um dia começaram a desmatar além da conta... Logo fiquei sozinha. Hoje virei mictório de cães e de gente, Sofro muito com o xixi que fazem em mim. As minhas folhas são impiedosamente varridas. Não têm mais o direito de apodrecer ao pé da árvore-mãe.
- Mas afinal, que atitudes ecológicas poderíamos tomar? Perguntou um piolho, muito aflito.
É cada um procurar meios de sugar sem exageros o alimento e dar ao “ planeta” o tempo de se recuperar, respondeu o jequitibá.
- Vamos ter que sobreviver economizando, lembrou um carrapato demonstrando preocupação – afinal todos nós podemos jejuar mais de um mês...
E assim a reunião esquentou. Foram criados manifestos e leis ambientais. Foi publicada a “Carta dos Ectoparasitas”. Os delegados foram eleitos. Todos se comprometeram a assumir atitudes ecológicas em favor do “planeta”.
Ao final dos debates, já havia 3.090 pulgas, 2.348 carrapatos, 2.251 piolhos.
No dia seguinte, o cão morreu.




Para refletir:
• O cão no texto representa o Planeta Terra e as pulgas, piolhos e carrapatos os seus habitantes.
• O sangue ralo e de baixa qualidade demonstra a exaustão dos elementos naturais do Planeta e um modo predatório de desenvolvimento.
• A população dos ectoparasitos só aumentou com o decorrer do tempo.
• Efeito estufa? Terremotos? Aumento da temperatura global? Essas indagações demonstram que os ectoparasitos tinham uma visão global da situação.
• A descrição da árvore corresponde ao procurado “desenvolvimento sustentável”.
• “As folhas mortas e os restos dos animais apodreciam”... No texto representam o lixo que pode ser totalmente reciclado.
• Os morcegos frugívoros, cutias, gralhas, borboletas, beija-flores e o vento representam os trabalhadores do Planeta.
• “Mas um dia começaram a desmatar além da conta...” Esta descrição representa a voracidade, a falta de limites, o utilitarismo exacerbado na busca imediata do lucro, desconsiderando-se o futuro do Planeta.
• “É cada um procurar meios de sugar sem exageros o alimento e dar ao planeta de se recuperar, respondeu o jequitibá” . Esta é uma ação coerente com o desenvolvimento sustentável.
• E a reunião esquentou. Foram criados manifestos e leis ambientais. Foi publicada a “Carta dos Ectoparasitos”. Os delegados foram eleitos... Você já viu essa cena antes?
• Ao final dos debates, já haviam 3.090 pulgas, 2.348 carrapatos, 2.251 piolhos. No dia seguinte, o cão morreu. Isto demonstra que as providências não saíram do discurso.

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